A Guerra na Ucrânia — Documentos filtrados: Espiões britânicos constroem um exército secreto de terror na Ucrânia, por Kit Klarenberg

Seleção e tradução de Francisco Tavares

20 min de leitura

Documentos filtrados: Espiões britânicos constroem um exército secreto de terror na Ucrânia

 Por Kit Klarenberg

Publicado por  em 3 de Novembro de 2022 (original aqui)

 

 

Documentos obtidos pelo The Grayzone revelam os planos de uma célula de militares britânicos da inteligência para organizar e treinar um exército “guerrilheiro” ucraniano secreto com instruções explícitas para atacar alvos russos na Crimeia.

 

No dia 28 de Outubro, um ataque ucraniano com drones danificou o navio de bandeira da frota russa do Mar Negro no porto de Sevastopol, na Crimeia. Moscovo acusou imediatamente a Grã-Bretanha de ter ajudado e orquestrado o ataque, bem como de ter feito explodir os oleodutos Nord Stream – os piores actos de sabotagem industrial de que há memória recente.

Em resposta, o Ministério da Defesa britânico emitiu um tempestuoso desmentido, classificando as acusações como “falsas alegações de uma escala épica”.

Seja quem for que esteja por detrás destes ataques específicos, as suspeitas de uma mão oculta britânica na destruição não são infundadas. The Grayzone obteve documentos com fugas de informação que revelam que os agentes da espionagem militar britânica assinaram um acordo com o Serviço de Segurança da Ucrânia, filial de Odessa, para criar e treinar um exército secreto ucraniano guerrilheiro de terror.

Os planos previam que o exército secreto conduzisse operações de sabotagem e de reconhecimento contra a Crimeia, em nome do Serviço de Segurança Ucraniano (SSU) – precisamente o tipo de ataques a que se assistiu nas últimas semanas.

Como o The Grazyone noticiou anteriormente, o mesmo grupo de agentes da inteligência militar foi responsável pela elaboração de planos para fazer explodir a ponte de Kerch, na Crimeia. Esse objetivo foi cumprido a 8 de outubro sob a forma de um atentado suicida com um camião-bomba, desactivando temporariamente o único ponto de ligação entre a Rússia continental e a Crimeia e desencadeando uma grande escalada nos ataques de Moscovo às infra-estruturas ucranianas.

Estes planos foram elaborados por um veterano militar chamado Hugh Ward, a pedido de Chris Donnelly, um agente de informação militar britânico mais conhecido por ter criado o programa secreto de guerra de informação Integrity Initiative, financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Os planos circularam pela rede transnacional privada de Donnelly, composta por oficiais militares, legisladores e funcionários dos serviços secretos. Estas ligações de alto nível sublinham que ele está longe de ser um observador passivo neste conflito. Utilizou a sua posição e os seus contactos para assegurar os recursos necessários para treinar o batalhão secreto de sabotadores, a fim de atacar alvos russos na Crimeia. Esta estratégia de destruição irá certamente provocar uma escalada da guerra e minar qualquer impulso no sentido da negociação.

Denominado “apoio a operações de ataque marítimo”, o ataque planeado à Crimeia visa “degradar” a capacidade da Rússia de bloquear Kiev, “corroer” a “capacidade de combate” de Moscovo e isolar as forças terrestres e marítimas russas na Crimeia, “negando o reabastecimento por mar e por terra através de Kerch”.

Os documentos obtidos pelo The Grayzone mostram que esses planos são conduzidos em estreita coordenação com o SSU de Odessa, enquanto um oligarca ucraniano politicamente influente foi contratado para financiar o empreendimento maligno.

Desde que um golpe apoiado pelo Ocidente derrubou o governo eleito da Ucrânia em 2014, Donnelly tem trabalhado incansavelmente para fomentar uma guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia. Memorandos privados da autoria de Donnelly e obtidos pelo The Grayzone em Outubro passado revelam que a sua ânsia de escalada não fez mais que intensificar-se desde que os militares russos invadiram a Ucrânia em Fevereiro.

Numa carta de 21 de Setembro dirigida ao seu círculo íntimo, Donnelly temia que a administração Biden não estivesse totalmente empenhada na guerra total com a Rússia. Citando declarações públicas de funcionários de Washington que esperavam um acordo negociado entre a Ucrânia e a Rússia, Donnelly declarou (ver abaixo): “Esta posição dos EUA deve ser contestada, com firmeza e de imediato”.

Num comunicado separado, Donnelly acusou Biden de ser “tão insensato que não dá para acreditar” por ter avisado que o conflito na Ucrânia poderia levar ao “armagedão”.

“Queremos que a Ucrânia esteja numa posição forte quando for para a mesa de negociações com os russos”, disse Linda Thomas Greenfield, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, ao jornal americano Foreign Policy esta semana.

É precisamente esta mensagem muitas vezes repetida pela Casa Branca o que levou Putin a acreditar que as suas táticas de ameaça e intimidação tinham resultado, e que o ocidente, em última análise, forçaria Zelensky a ir para a mesa de negociações. Esta posição dos EUA deve ser contestada, com firmeza e de imediato. Não obstante o crucial apoio militar dos EUA e outros países ocidentais à Ucrânia, na ausência de uma mensagem muito clara por parte do Ocidente, é provável que Putin continue a pensar que pode controlar o ambiente informativo e o debate político a seu favor, assim prolongando a guerra e aumentando a possibilidade de um resultado mais perigoso.

Embora o The Grayzone não possa verificar se os ataques ucranianos à Crimeia são obra direta da equipa de Donnelly, os acontecimentos recentes espelham de perto as estratégias e tácticas delineadas nos documentos que o The Grayzone obteve. Além disso, os ataques ajudaram a atingir os objectivos de escalada perseguidos por Donnelly e pelo governo britânico, que conseguiram impedir as negociações entre Kiev e Moscovo em abril passado.

 

Os “guerrilheiros” ucranianos foram treinados para “disparar, deslocar-se, comunicar e sobreviver”

De acordo com os documentos analisados pelo The Grayzone, uma empresa militar privada britânica chamada Prevail Partners foi contratada para recrutar e treinar estes combatentes ucranianos secretos. A Prevail foi fundada por veteranos das forças especiais, nomeadamente o antigo brigadeiro da Royal Marine e comandante do Special Boat Service, Justin Hedges.

De acordo com os documentos analisados pelo The Grayzone, uma empresa militar privada britânica chamada Prevail Partners foi contratada para recrutar e treinar estes combatentes ucranianos secretos. A Prevail foi fundada por veteranos das forças especiais, nomeadamente o antigo brigadeiro da Royal Marine e comandante do Special Boat Service, Justin Hedges

 

A empresa tem a sua sede não muito longe do RM Hamworthy, um centro de treino militar britânico de elite, repleto de terrenos que se assemelham a ruas da cidade e de uma “pista de engenhos explosivos improvisados” para testar cenários de combate.

A génese do programa foi o produto de lobbies secretos conduzidos ao longo de vários meses por Donnelly, um veterano do MI6 chamado Guy Spindler, e Audrius Butkevičius, um antigo ministro da Defesa lituano com ligações de longa data ao aparelho de segurança, militar e de informações ucraniano.

A Prevail e a TIW manifestam o seu maior respeito pelo seu espírito guerreiro e as suas mais profundas condolências pelas mortes e destruição causadas pela invasão russa. Esperamos poder fornecer alguns conhecimentos duramente adquiridos para ajudar a derrotar este inimigo maléfico.

A Prevail Partners Limited (Prevail) e a Thomas in Wislow (TIW) combinaram os seus conhecimentos para apoiar o governo da Ucrânia. A PPL e a TIW apresentaram as nossas credenciais e discutiram requisitos operacionais urgentes com o Serviço de Segurança da Ucrânia Odesa Oblast (SSU-Odesa). Esta discussão serviu de base para a declaração de capacidade introdutória da Prevail que se encontra em anexo.

Solicitamos a oportunidade de apresentar as nossas credenciais e discutir os requisitos operacionais urgentes em Kiev, de modo a podermos avançar com o nosso apoio proposto.

Slava Ukraini

 

Surgiram vários obstáculos quando a equipa do Prevail lançou os seus esforços para formar o exército secreto. Em primeiro lugar, os oficiais ucranianos mostraram-se relutantes em reunir as somas consideráveis exigidas pela equipa de Donnelly, especialmente quando os Estados ocidentais estavam a injetar milhares de milhões no esforço de guerra. Os oficiais britânicos também se mostraram reticentes quanto a entregar serviços de treino a contratantes privados, talvez por receio de serem apanhados em flagrante ou mesmo processados por se envolverem numa atividade tão provocadora.

07/05/2022 13:02

Re: Last night call – my rough notes

To: Guy Spindler

De momento, penso que a Ucrânia não está a meter a mão nos bolsos, uma vez que existem muitas ofertas de outros países, empréstimos, etc. Pergunta: será que o Tio Sam vai pagar por isto?

Aqui em Londres: J teve uma série de bons contactos com o MoDefense – pediram propostas – propostas com custos recusadas por razões de risco. JH perguntou se isto “se aplicava a tudo”? Resposta enfática: Não – mais para a seguir”.

O plano de JH em relação ao requisito atual é preparar previamente uma carta que Yuri assinará e que depois será enviada à Embaixada. O Procurador-Geral da República deixou claro que pode atuar se e só se for instruído.

Há tanto dinheiro a circular no espaço privado. Acabei de falar com um vendedor de drones dos EUA que já vendeu dois drones.

 

No seio da camarilha de Donnelly, a proposta inicial da Prevail também suscitou preocupações. Alex Finnen, membro da célula de espionagem do Grupo Especializado de Inteligência Militar do Exército Britânico e da sombria Unidade Rússia do Ministério dos Negócios Estrangeiros, comentou num e-mail de finais de março que a oferta da Prevail era “muito cara para o que é”, com um custo previsto de 600.000 dólares por combatente guerrilheiro por ano – uma indicação de que a empresa estava “num mercado de vendedores”.

“Suspeito que tenham pegado no primeiro valor que pensaram e depois duplicaram-no. Por isso, tem de haver mais discussão sobre como e o que é que estas pessoas vão fazer”, advertiu Finnen. “Os guerrilheiros vivem dentro e entre as pessoas. Isso sugere que são necessárias pessoas de toda a Ucrânia, em pequenas equipas, para participar, como sugere o Prevail, “oblast por oblast”.  Como é que eles vão conseguir isso?

 

28/03/2022 14:03

Alex’s private comments and questions

To: …… <audriusbutkevichius………>

 Isto é muito caro para o que é; uma média de 600.000 dólares por homem durante um ano. No entanto, estão num mercado de vendedores, mas suspeito que pegaram no primeiro valor que pensaram e depois duplicaram-no.

Por isso, é preciso que haja mais discussão sobre como e o que é que estas pessoas vão fazer; viz:

– questão 1. Como é que um tal pacote seria entregue, exceto em coordenação com um patrocinador no âmbito do sistema ucraniano?

– Questão 2. Caso contrário, como é que vão identificar a mão de obra necessária, uma vez que os homens estão todos dentro da Ucrânia?

– 3ª questão. Os partidários vivem no seio da população, o que sugere que são necessárias pessoas de toda a Ucrânia, em pequenas equipas, para participarem, tal como sugerido “oblast by oblast”. Como é que vão conseguir isso?

Se houver um patrocinador ucraniano, então esses patrocinadores são as pessoas que devem contactar e candidatar-se para obter financiamento de governo para governo, embora suspeite que isso vá demorar algum tempo. Uma coisa é dar armas às pessoas (vendas de defesa), outra é formar combatentes. É claro que será mais fácil se a formação puder ser feita na Polónia. Depois, a Trilateral

Trilateral Ucrânia-Polónia-Ucrânia poderia ser o guarda-chuva.

 

Depois de algumas manobras, foi elaborado um acordo provisório a 18 de abril entre a Prevail e o seu parceiro de implementação, uma “empresa de gestão de crises sediada em Londres” chamada Thomas in Winslow. De acordo com o contrato, a Prevail efectuaria uma “avaliação da capacidade” das operações do SSU de Odessa, “depois de outros SSU regionais importantes e, finalmente, dos Serviços de Segurança de toda a Ucrânia”, gratuitamente.

ACORDO DE APOIO TÉCNICO ENTRE PREVAIL PARTNERS, TIW, e SERVIÇO DE SEGURANÇA DA UCRÂNIA DE ODESA

O presente acordo é celebrado entre a Prevail Partners Limited (Parceiro principal), a Thomas in Winslow Limited (TIW) (Parceiro júnior), ambas empresas registadas no Reino Unido, e o Serviço de Segurança da Ucrânia-Odesa Oblast, a seguir designado por SSU-Odesa. A Prevail Partners e a TIW concordam em prestar os seguintes serviços à SSU-Odesa a título gratuito.

O principal objetivo deste acordo é fornecer ao governo ucraniano uma avaliação inicial da capacidade, primeiro da SSU-Odesa e depois de outras grandes SSU regionais e, finalmente, dos Serviços de Segurança de toda a Ucrânia. A Prevail Partners e a TIW utilizarão um questionário detalhado para recolher informações atempadas, relevantes e exactas para avaliar a capacidade global da SSU-Odesa.

 

Apesar de esta ronda ter sido feita por conta da casa, a avaliação acabaria por ser aproveitada para justificar um grande investimento no programa de formação do exército de guerrilha.

Este objetivo foi claramente sublinhado numa avaliação Prevail de um batalhão da 24ª Brigada do Exército ucraniano “a ser mobilizado para ser destacado para a linha da frente”. A nota foi redigida por Justin Hedges depois de uma visita que fez a uma base de treino militar na cidade ocidental de Yavoriv, perto da fronteira com a Polónia, no final de Maio. Hedges foi acompanhado à base pelo veterano dos serviços secretos militares britânicos Darren Liddle e por dois operacionais das forças especiais ucranianas.

 

Visita da Prevail à 24.ª Brigada do Exército ucraniano em 19 de maio de 2022

Contexto. A Prevail Partners Limited é uma empresa britânica de segurança privada especializada na prestação de serviços de formação e consultoria. A Prevail tem pessoal na Ucrânia desde Dezembro de 2021, centrado em Odesa mas em todo o país, e construiu uma rede de relações muito forte. Estas relações foram construídas com base em: A amplitude da experiência comercial demonstrada; tarefas de segurança bem-sucedidas durante os primeiros dias do conflito em locais de difícil acesso; conselhos militares e de inteligência valiosos; e compromisso demonstrável com a causa em questão. Como resultado, a Prevail foi convidada a visitar a formação do último Batalhão da 24ª Brigada que estava a ser mobilizado para ser destacado para a linha da frente na principal base do Exército Ucraniano em Yavoriv.

Objetivo. O objetivo da visita era desenvolver planos para a formação de novos batalhões. Os pedidos foram feitos a nível regional e não emanaram do Estado-Maior nesta altura.

 

O convite para participar “não veio” do Estado-Maior ucraniano, mas “a nível regional” – uma referência ao Odessa-SSU. Ao longo de 36 horas na base de Yavoriv, Hedges e companhia observaram uma parte do que ele descreveu como uma sessão de treino “inadequada” de 12 dias dada a recrutas com idades compreendidas entre os 20 e os 58 anos, nenhum dos quais tinha experiência militar anterior, e que acabariam por ser enviados para Popasna, “onde os russos estão atualmente a romper as linhas [ucranianas]”.

Hedges constatou um “número muito reduzido de instrutores; nenhum programa e doutrina definidos; nenhuma experiência na unidade; nenhum treino de planeamento” no curso, com “tácticas pouco sólidas a serem ensinadas por instrutores estrangeiros inexperientes”, deixando o batalhão “sem preparação para o que vai enfrentar”.

Avaliou que muitos dos presentes “sabem que quando forem destacados para a linha da frente… vai ser uma carnificina”, sobretudo porque o batalhão anterior que recebeu o mesmo treino de 12 dias “sofreu 60 mortes nos primeiros 3 dias”.

“Isto conduz a taxas de baixas insustentáveis. Na minha opinião, insustentáveis do ponto de vista do capital humano e, por conseguinte, do ponto de vista político, a longo prazo”, lamentou Hedges. “Este problema não pode continuar sem ser resolvido; o défice de formação deve ser colmatado agora, caso contrário, as taxas de baixas insustentáveis, devido à inadequação da formação, podem tornar-se politicamente decisivas, obrigando Zelensky a ceder terreno a Putin.”

Por outro lado, descreveu os instrutores do Prevail como “todos qualificados e experientes”, com “experiência de combate”, e considerou Yavoriv como “adequada e segura, com disciplina e técnica adequadas”. Por outras palavras, nós podemos ajudar e vocês precisam de nós urgentemente.

Como revelava um e-mail enviado por Spindler a Donnelly no início de Maio, já estavam em preparação planos para utilizar a base para dar aulas a 40 grupos de guerrilheiros, de quatro em quatro semanas, durante seis meses, sobre como “disparar, movimentar-se, comunicar, sobreviver”, bem como viver na floresta e “sobreviver”. Os formandos “com aptidão” seriam identificados e orientados em “módulos especializados”.

Programa de formação pedido por Yuri. Dois tipos da Prevail, ex-Poole, assentaram e concentraram-se em “4 semanas, disparar, mover-se, comunicar, sobreviver”.

Um corpo de 40 pessoas. Desde “isto é uma arma – como usar” – até viver num bloco de madeira, sobreviver. Proposta também para a criação posterior de módulos mais especializados. As pessoas com aptidão podem entrar no sistema modular. Assim: todos recebem o bloco, depois são divididos numa abordagem modular especializada. Tudo de acordo com as normas britânicas em matéria de segurança nos campos de tiro. Para tal, é necessária uma equipa: formação (12 pessoas) e administração (6-8 pessoas) – é necessário um médico, um armazenista, um responsável pelas comunicações, um inspetor-chefe – a realizar na principal área de formação, em Lviv, que foi atingida por foguetes logo no início. Assim, 40 pessoas andam por aí com boas pessoas a treiná-las. Durante um ano, cerca de 14 milhões de libras. [O seguro por indivíduo é de 5 mil libras por quinzena, o que equivale a 2,5 milhões de libras!]

Com o desenvolvimento do plano, o campo de treino em Yavoriv foi transferido para locais não revelados na Grécia e na Polónia.

Até à data, o programa britânico secreto do exército de guerrilheiros nunca foi mencionado pelos principais meios de comunicação social. E, como este relatório deixa claro, todos os actores envolvidos fizeram esforços significativos para manter a iniciativa escondida da opinião pública.

Hedges, o veterano das forças especiais, considera o financiamento governamental “essencial para colocar este programa numa base muito sólida”. Imaginou que o patrocínio poderia vir da Grã-Bretanha, dos EUA, da Ucrânia, “ou mesmo dos países bálticos/nórdicos”. Se fosse necessário “separar o financiamento governamental da atividade”, o financiamento poderia ser “assegurado através de ‘donativos’ que fluem através da ONG estabelecida pela Prevail, Rhizome Insights Ltd”, uma fachada que serve de “via atual para o financiamento de equipamento e formação” e que, por isso, permite que a empresa se mantenha escondida do público.

“É assim que a Prevail está a receber donativos de ONGs/particulares para financiar equipamento e níveis baixos de outros apoios nesta altura”, explicou Hedges, referindo que a Prevail estava também a discutir o financiamento com o gabinete do Presidente da Câmara de Lviv, Andriy Sadovyi, um dos oligarcas mais ricos da Ucrânia e proprietário da rede de notícias do Canal 24 do país.

 

Donnelly aponta a Biden por ter feito aviso de “armagedão” nuclear

Os esforços de Chris Donnelly para fazer escalar o conflito Rússia-Ucrânia não passaram despercebidos aos oficiais britânicos. Ainda em 8 de Outubro deste ano, foi entusiasticamente convidado pelo Brigadeiro Julian Buczacki, da 1ª Brigada de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento do Exército Britânico, para servir como conselheiro-chave do Chefe do Estado-Maior da Defesa de Londres, General Nick Carter, e de David Williams, o principal guia civil de Londres para assuntos de defesa.

Numa mensagem de correio eletrónico enviada nessa tarde, poucas horas depois do atentado na ponte de Kerch, Buczacki referiu que tinha estado recentemente “mergulhado no turbilhão do trabalho em situações de crise” – e “a esse respeito”, tinha recomendado que Donnelly servisse como “conselheiro dos sábios” de Carter e Williams, com o argumento de que estes beneficiariam de um perito em “dissuasão/escalada e tudo isso”.

“Seria muito em breve, dado o contexto… Em breve, vou assumir o cargo de ACDS [Assistente do Chefe do Estado-Maior da Defesa para a Estratégia Militar] (ainda não é público)”, concluiu Buczacki.

 

8 de Outubro de 2022, 16:18

Para: Chris Donnelly……..

Cc: Julian Brig Buczacki

Assunto: Apoio ao CDS

Olá Chris

Já passou muito tempo, espero que estejas de melhor saúde. Tenho andado mergulhado no turbilhão do trabalho de crise. Relativamente a este assunto, propus ao CDS que ele e o Secretário de Estado Permanente beneficiassem de um conselho de sábios – dissuasão / escalada e tudo isso. Ele concordou. Os dois primeiros nomes que estou a procurar são o seu e o de Lawrie Freedman. Estaria disposto a fazer isso? Seria muito em breve, dado o contexto. Se a viagem for difícil, talvez possamos fazer um VTC. Não me lembro das vossas autorizações.

PS: O meu trabalho com o Steve C deu-me uma boa ajuda. Em breve, vou assumir o cargo de ACDS Military Strategy (ainda não é público).

Sempre às ordens

 

Jules (Buczacki)

 

Donnelly respondeu prontamente que ficaria “encantado” por assumir um papel tão importante no prosseguimento britânico da guerra por procuração. “Sem problema”, escreveu, anexando a sua autorização de segurança oficial do governo britânico e dois comentários recentes sobre o conflito na Ucrânia que fez circular na sua rede.

O conteúdo dos seus comentários deixa claro que Donnelly considera insuficientes os incontáveis biliões em carregamentos de armas que fluem para a Ucrânia por decreto de Biden, e que se preocupa que Biden possa em breve apaziguar Putin autorizando negociações.

O Presidente Joseph Biden gerou manchetes internacionais quando comentou, durante uma angariação de fundos em casa de James Murdoch, o filho do magnata da comunicação social de direita Rupert Murdoch, que Putin “não está a brincar quando fala sobre o uso potencial de armas nucleares tácticas” e que havia uma perspetiva muito real de que o conflito na Ucrânia poderia “acabar em Armagedão”.

Na sua troca de e-mails de 8 de Outubro com o brigadeiro Julian Buczacki, Donnelly queixou-se de que as “observações improvisadas” do presidente dos EUA eram “tão insensatas que não se pode acreditar”.

“Não tenho a certeza de qual é a palavra oposta a ‘dissuasão’, mas Biden está a fazer isso ativamente, infelizmente”, lamentou Donnelly. Argumentou que as ameaças de guerra nuclear de Putin devem ser consideradas um bluff destinado a enfraquecer a vontade do Ocidente de escalar até à vitória total.

Evidentemente, na sua perspetiva, era preciso fazer alguma coisa para evitar que Washington autorizasse uma solução negociada que satisfizesse qualquer das condições da Rússia.

08/10/2022 18:34

Christopherndonnelly………..

Fw: Support to CDS

Para. Julian.buczacki……….

Cc:………………….

Olá Jules

Que bom ouvir-te. E parabéns pelo novo emprego! Bem merecido.

Obrigado pela sugestão. Terei todo o prazer. Em cima da hora não há problema. O Lawry F é ótimo. Se quiser ideias sobre quem mais é de confiança, diga-me.

Estou a trabalhar a partir de casa, em Cumbria, com um tornozelo partido (caí numa encosta!!) mas não é um verdadeiro obstáculo para viajar, apenas me atrasa, e a bota ortopédica deve vir na próxima sexta-feira.

Eis os meus comentários mais recentes. Só para acrescentar que os comentários improvisados de Biden no cocktail de James Murdoch, na quinta-feira, são tão insensatos que não dá para acreditar. Não tenho a certeza de qual é a palavra oposta a “dissuasão”, mas Biden está a fazer isso ativamente, infelizmente.

O meu DV expirou há muito tempo. SC a tt, mais CV se necessário.

 

Uma “bomba humana” atinge a ponte de Kerch

A 25 de Maio, Guy Spindler enviou um e-mail a Donnelly a informar que tinha falado “algumas vezes” com Butkevičius, o antigo Ministro da Defesa da Lituânia. Comentou que Butkevičius tinha “feito um excelente trabalho para desfazer a hesitação ucraniana em relação ao apoio à formação e fez agora com que o nome da Prevail fosse introduzido” no governo britânico e na sua embaixada em Kiev – e, por conseguinte, no Ministério dos Negócios Estrangeiros e no MI6 – “como um potencial fornecedor”.

Spindler considera que Hedges “está a sentir-se positivo”, uma vez que os ministros da defesa britânicos “alegadamente já não são, em princípio, contra soluções de formação do sector privado”. A única coisa que faltava fazer era garantir a aprovação oficial para algum tipo de operações de guerrilha e “assegurar que as nossas contribuições” – incluindo as de Butkevičius – fossem “devidamente compensadas”.

25/05/2022 16:58

Guy Splinder

To: cdonnelly

Cc: Christopher Wills

O homem de serviço do MI6 acrescentou que tinha “uma visão muito parcial” dos “vários planos” de Hugh Ward – uma referência ao “apoio a operações de ataque marítimo”, convidando Donnelly a “envolver-me como quiser”. Ao que parece, os vários planos de sabotagem do projeto são tão secretos e sensíveis que nem mesmo os altos funcionários dos serviços secretos britânicos encarregados de supervisionar as operações conhecem os seus pormenores.

O Grayzone expôs anteriormente o projeto de Ward para atacar a ponte de Kerch, que liga a Crimeia ao continente russo. De acordo com esses planos, mísseis de cruzeiro, equipas de mergulho especialmente treinadas ou drones subaquáticos destruiriam os pilares de betão da ponte, que Ward considerava serem a “parte mais fraca” da estrutura.

Embora os serviços de segurança ucranianos SBU tenham acabado por optar por um ataque com camião-bomba, um selo postal comemorativo emitido por Kiev poucas horas depois do atentado mostrava duas explosões precisamente nos pontos sugeridos por Ward. A rapidez com que o selo ficou disponível sugere fortemente que foi preparado muito antes do ataque.

A Prevail também elaborou planos para estratégias alternativas. Uma apresentação produzida pela empresa – intitulada “Kerch Bridge information pack” – propunha a explosão de um navio carregado de nitrato de amónio sob uma parte da ponte que cobria uma faixa de navegação.

O modelo da Prevail para este ataque foi a explosão de Beirute, em Agosto de 2020, em que uma explosão maciça e misteriosamente detonada destruiu o porto da capital libanesa, causando danos significativos nos bairros circundantes. A empresa militar privada observou com aprovação que as 552 toneladas de nitrato de amónio que explodiram em Beirute “produziram uma cratera de 140 metros de largura e um terramoto de magnitude 3,3 na escala de Richter”, uma quantidade “muito inferior às 2.754 toneladas” que supostamente chegaram à Crimeia num cargueiro alugado pela Rússia em 2013.

 

Não se sabe ao certo porque é que o cenário de bombardeamento com camiões acabou por ser escolhido – talvez porque proporcionasse um grau de negação plausível aos responsáveis pelo ataque. As autoridades ucranianas, depois de terem inicialmente celebrado o incidente, afirmam agora que se tratou de uma operação russa de falsa bandeira.

Além disso, no final de Agosto, a Rússia reforçou as medidas de proteção na Crimeia e nas suas imediações, como a deslocação de um sistema de defesa antimíssil S-300 para a península, o que pode ter exigido uma linha de ação alternativa à inicialmente escolhida.

O bombardeamento da ponte de Kerch envolveu um veículo carregado de explosivos e transportado de Odessa, na Ucrânia, para a Crimeia, através da Bulgária, Geórgia e Arménia, utilizando diferentes condutores em fases distintas da viagem. O último condutor alegadamente não tinha conhecimento da sua missão suicida.

Se os agentes britânicos orquestraram de facto o ataque à ponte de Kerch, é provável que se tenham inspirado em operações anteriores com semelhanças assustadoras. Em 2006, uma ONG conhecida como British Irish Rights Watch publicou o testemunho de antigos informadores anónimos dos serviços secretos britânicos, revelando que o MI6 tinha liderado uma estratégia terrorista de falsa bandeira conhecida como “bomba humana” na Irlanda do Norte.

Civis eram amarrados em veículos carregados de explosivos e depois coagidos a entrar em postos de controlo militares, infligindo ataques incendiários a alvos que matavam soldados e civis. A vaga de bombardeamentos inflamou as tensões locais e serviu de justificação para a repressão draconiana do Estado britânico sobre a população católica da província.

“Sabe-se que pelo menos dois agentes das forças de segurança estiveram envolvidos nestes bombardeamentos e foram feitas alegações de que a estratégia das bombas humanas foi uma ideia dos serviços secretos britânicos [sublinhado nosso]”, declarou a British Irish Rights Watch num relatório que acompanha a reportagem.

Tendo em conta o conteúdo da fuga de informação analisada pelo The Grayzone, é surpreendente que os explosivos utilizados para atingir a ponte de Kerch tenham tido origem em Odessa. Localizada do outro lado do Mar Negro, na Crimeia, esta cidade acolheu a unidade SSU que serviu de base ao exército secreto de terror de Donnelly e Prevail.

Os oficiais russos há muito que afirmam que consideram a Crimeia como território russo e que qualquer ataque a este território cruzaria uma linha vermelha brilhante e provocaria uma resposta escalada. Quando Donnelly e a sua equipa delinearam planos para criar um exército secreto “guerrilheiro” ucraniano, parece que era precisamente isso que pretendiam fazer.

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O autor: Kit Klarenberg é um jornalista de investigação que explora o papel dos serviços secretos na formação da política e das percepções.

 

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